segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Por forças guardadas.

     Centenas de kilômetros, curvas e paralelas quase sem fim. Foi isso que percorri tentando chegar aqui. Mais do que as preocupantes horas de viagem e mudanças de paisagem, mais do que sentir o sol se inclinar e perder aos poucos o brilho forte do fim de manhã e começo da tarde. Mais do que isso, foi a volta ao começo de tudo e logo depois o retorno ao nosso ponto de solidão. Foi o que percorri para estar aqui. Aqui, sentada na areia da praia desse lugar que pouco conheço. Aqui, onde nunca estive e ao mesmo tempo, sinto que foi onde sentei à longa parte de uma felicidade vivida. Em um chão de terra quase úmido, onde a água já não visita essa hora, porém é como se a qualquer momento ela fosse molhar o pedaço de pano onde me sento a esperar o começo de uma vida que eu mesma deixei escapar. Ela não vem, ameaça e volta. Marca uma parte a minha frente e me filma por alguns segundos lentos; Às vezes, tanto faz como sejam. Em instantes vazios, meus olhos deixavam a areia, e simplesmente acompanhavam o balanço do mar. Viajavam até o horizonte, aí lembravam de visitar o Sol que ainda estava ali, pintando o céu de cores para o fim da tarde. E ele me deixaria, porque era inevitável, claro.
Por quê? - Foi tudo o que disse. Não anunciou ou cumprimentou. Apenas chegou buscando a resposta. Até eu queria a resposta de tudo. Talvez, ela não existisse. Queria a resposta de como chegou, há quanto tempo, por onde veio e por que. Queria suas respostas, suas perguntas, seu dicionário de palavras inteiro.
Porque aqui é um lugar bonito. E estando perto do mar, eu me sinto mais perto de algo tão grandioso quanto o que tenho guardado em mim. Me faz acreditar que possuo todas as forças de que preciso.
     Estava ao meu lado, sentava-se ao mesmo modo que eu: Meditávamos diante o mar. Se ainda estivesse fitando as mãos perto do chão como eu o fazia, seria ótimo. Mas não, seus olhos por sobre os ombros me queimavam a pele da bochecha esquerda. Eu nem sequer sei como conseguira lhe dar palavra qualquer do modo em que estávamos. Talvez, por não tirar os olhos dos dedos trêmulos e presos uns aos outros. Ainda assim, era som desagradável; Sem tom ou nota.
– Você nunca parou para pensar na natureza real das minhas perguntas, não é? - Seus olhos me deixaram. Visualizavam agora o mar, as ondas que iam e viam sem pretensão. E o seu inspirar fundo de ar fez os mesmos fecharem-se na calma que tinha e eu não. Por dentro, eu agradeci à platéia salgada por isso. Tão mais fácil dirigir o olhar para o lado nesse momento, dar partida em coisas antes não-ditas.
– Ignore tudo o que te direi, se quiser. Levante e faça seus passos desacompanhados na areia. Esqueça tudo o que vivemos, tudo o que aconteceu em nossos dias, o que nos fez chegar onde estamos. Mas, por favor, depois do que tenho a te dizer. Prometa que continuará aqui se caso eu fechar os olhos tentando buscar as forças que juntei. Prometa que aguentará mesmo em todo o seu cansaço. Prometa que estará aqui quando eu acabar. Você... Você me promete? –
Olhou-me de repente assim que parei algo que se tornaria desesperado, e nada disse. Foram segundos incrivelmente insuportáveis. Seus olhos desenharam traços massacrantes nos meus, em boca, nariz, pele. E eu engolia em seco, recusando-me a tirar os olhos dos seus, mesmo quase no auge de um derramar de lágrimas. E elas tinham de se conter. Elas precisavam.
– Eu prometo. –
Sussurrou por trás de um sorriso terno, sem malícia ou enigma algum. Apenas se fez imprevisível, como ocorrera quando me vi estranhamente amando-lhe.
– Eu nunca vou desistir, você entende? Eu te juro que estaria aqui hoje ou três anos mais tarde. Porque eu não viveria com essas pilhas de coisas que sufocam. Porque eu sempre, sempre vou guardar algo para você aqui. Algo que não importa quantas vezes eu deixe ir, ele sempre vai querer estar aqui. Aqui para que seja dito a você, para que te faça entender o quanto eu tenho de ti, de nós em mim. Aqui, pulsando em minhas veias, completando os meus espaços vazios. Não há... Não há droga de sentido algum em nada que eu faça. Em nada que eu faça para mim. Em nada que eu tente terminar ou que termine. Eu só não encontro razão. Não encontro razão nos passos que dou para frente. No riso que dou e darei depois de ter te perdido. Eu estou aqui querendo te dizer que eu jamais... Jamais vou esquecer o que foi para mim, o que ainda é. Eu posso ser coberta de erros. Continuar todos. Como se fosse um vício, como se eu não soubesse fazer outra coisa. Mas você não entende o quanto eu quero que não seja assim?! Você simplesmente acha que eu faço tudo para que você vá embora e me deixe só?! Quando, na verdade, eu daria tudo para viver o que já vivemos. Eu mudaria todos os passos tortos para ser algo o qual você implorasse para residir em ti. E eu não entendo. Não entendo coisa alguma. Não entendo como consegue que eu seja assim, que eu aceite a loucura de te procurar onde quer que esteja. Que eu arrisque o coração em uma coisa tão proibida. Não entendo porque eu te amo agora depois de tanto tempo, depois de um adeus. Não entendo porque ainda não vê que sou frágil o bastante para adoecer longe de ti. Porque sou fraca. E ainda assim estou aqui, lutando por você. Lutando por você até o último respirar. Mas, sendo sensata, eu não quero pedir mais nada além de que me desculpe. Desculpe-me por ter te magoado, por ter te feito odiar o que quer que seja. Por ter entrado na sua vida, por ter feito você me tirar dela. Por favor, só diga que me perdoa por ter te amado demais e ao mesmo tempo feito tudo parecer insignificante. Diga que me perdoa, que me perdoa por estar aqui querendo te fazer entender coisas que você já esqueceu. Perdoe por eu estar aqui te fazendo sofrer mais uma vez. Diga... Diga que me perdoa por não conseguir te deixar ir. Por não conseguir.
     Eu não sei como aconteceu, mas minha mão já estava em seu rosto, deixando a palma repousar em sua pele e sentindo-a tão quente quanto a minha. Segurando-lhe para que não fosse embora. Havia de ser ilusão. Com certeza, era a minha mão que fervia por conta da febre, ou sei lá. E os meus olhos, aposto que inchados. Durante algum momento do que disse eles insistiram em não parar de derramar mágoas de mim mesma. De esvair-se de algumas coisas guardadas. Deixá-las ir embora assim como o som carregado de palavras estocadas. Meus olhos se fecharam com força - vacilaram diante daqueles que insistiam em me gravar a indiferença na retina - e aí pude entender o que fazia com a mão ali em meu punho, tirando a minha de seu contato. Soltando logo depois sem muita preocupação em querer me ter nas mãos.
– Acabou? - Eu tive de abrir os olhos, sem muita vontade, mas precisava. E não voltei a fitar o lado diretamente antes de sussurrar uma resposta. Só o mar, o sol que já começava a se pôr; A esconder-se atrás do horizonte. Do mesmo jeito também fazia: Não me olhava. Era, sim, o maior desinteresse que poderia ter. E eu apoio.
– É... Eu acho que sim.
– Bem, cumpri a promessa.
     E de novo o mesmo sorriso terno, sem nada mais para me dizer ou sentir. Um sorriso de alguém que vive só e nem sequer acha tempo para se importar com o fato. Levantou e... Eu não sei contar um fim. Não tive a coragem de ver-lhe marcando na areia a trilha para longe dessa história. Tudo o que vi foi algo que caía dos olhos entre as mãos juntas novamente. Mãos que me ampararam o rosto, apertaram seus dedos para conter as insistentes lágrimas de saudade, desespero e amor indesejado.
O que ficou? O som do mar que vive como eu. Sozinho em seu infinito de algo.
 

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